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Xavante, Pioneiros e Gaúchos

Disciplina

SOCIOLOGIA

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Ano académico: 2012/2013
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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

NATÁLIA ARAÚJO DE OLIVEIRA

XAVANTE, PIONEIROS E GAÚCHOS: IDENTIDADE E SOCIABILIDADE EM

NOVA XAVANTINA/MT

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

SÃO LEOPOLDO

2010

UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

NATÁLIA ARAÚJO DE OLIVEIRA

XAVANTE, PIONEIROS E GAÚCHOS: IDENTIDADE E SOCIABILIDADE EM

NOVA XAVANTINA/MT

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção título de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Inácio Germany Gaiger Co-orientador: Prof. Dr. Édison Luís Gastaldo

SÃO LEOPOLDO

2010

AGRADECIMENTOS

Este trabalho, assim como a conclusão deste Mestrado, não seria possível sem a contribuição de muitas pessoas, das quais posso não me lembrar de todas, mas a quem desde já agradeço com meu sincero obrigada. Sendo assim, agradeço de coração, a: Todas as pessoas que me concederam entrevistas, uma, duas e às vezes até três vezes. Obrigada por me darem a oportunidade de conhecer suas vidas, suas histórias de coragem e luta. Obrigada pelas lágrimas e pelas risadas proporcionadas a cada encontro. Agradeço também aos que contribuíram para que estas entrevistas fossem realizadas, como o pessoal das escolas, representados, aqui nos agradecimentos a Lis, Darlete e Sônia. Aos professores do PPG de Ciências Sociais, em especial o professor Gastaldo que me acompanhou e incentivou sobremaneira a realizar esta pesquisa, além de me ensinar a amar a antropologia e ao professor Gaiger, que acreditou em mim desde aquele dia da entrevista para entrar no Mestrado e me acompanhou nesta etapa final, me dando todo suporte necessário e realizando valiosas considerações sobre a minha pesquisa. Não posso deixar de citar também o prof. Gadea, que proporcionou aulas maravilhosas, o prof. Monsma, pelas reflexões produzidas e pelo empréstimo de materiais, o prof. Rogério, enfim a todos os professores do PPG. Agradeço também à querida e solícita Maristela, secretária do PPGCS. A Fundação de Amparo à Pesquisa – FAPEMAT, que custeou meus estudos e a Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, que me liberou para cursar as disciplinas, sendo necessário um agradecimento mais que especial ao meu chefe e amigo Marcelo Araújo, que me deu seu ombro amigo todas às vezes necessárias e se multiplicou para trabalhar por mim e por ele, diversas vezes, na minha ausência. Os amigos de mestrado, que me proporcionaram muitas alegrias em São Leopoldo e com os quais pude construir amizades verdadeiras, como Fabi, Márcia, Fausto, Zé, Ricarte, Michelangelo e Wil. Agradeço por vocês terem surgido na minha vida e me terem feito crescer como pessoa. Falando em amigos, não posso deixar de citar os amigos de Xavantina, como a prof. Stela, grande amiga, incentivadora e fonte de inspiração e também os amigos distantes mas que sempre deram apoio. Aos meus familiares, que sempre me apoiaram e compreenderam minha ausência em vários momentos e a meu namorado, Ivor, que sempre acreditou em mim e me incentivou a seguir em frente.

RESUMO

Este trabalho busca identificar e interpretar lógicas simbólicas de pertencimento e de exclusão advindas do contato entre diferentes grupos etno-culturais, constituídos por Xavante, Pioneiros e Gaúchos, com base em trabalho de campo etnográfico realizado na cidade de Nova Xavantina, estado do Mato Grosso. A pesquisa de campo fez uso da observação participante, com registro em diário de campo, entrevistas semi-estruturadas e de grupos focais e da consulta a registros em arquivos. Como resultado, a pesquisa indica que estar em contato constante com o branco não torna o Xavante menos indígena, pois seus vínculos étnicos, bem como a valorização dos costumes próprios, são reafirmados, reelaborando-se as formas de ser índio na cidade. Já os Pioneiros demonstram tensões identitárias quando seu papel histórico é questionado, e com isso evidenciam a existência de fronteiras simbólicas. Enquanto isto, os Gaúchos atribuem a si próprios o pioneirismo, por haverem desenvolvido a região a partir de seus valores de trabalho e coragem. Essas linhas interpretativas demonstram a pertinência das principais contribuições teóricas e conceituais situadas à base do trabalho, no tocante às temáticas relacionadas à identidade (Agier, 2001; Barth, 1998; Cardoso de Oliveira, 1976) e sociabilidade (Goffman, 1983; Mead, 1993; Simmel, 1983) a exemplo das dialéticas inerentes aos processos de reiteração e transformação da identidade étnica.

PALAVRAS-CHAVE: Interação Social; Identidade; Xavante; Pioneiros; Gaúchos.

LISTA DE FOTOGRAFIAS

LISTA DE SIGLAS

AIBO: Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê APMPO: Associação dos Pioneiros da Marcha para Oeste BASA: Banco da Amazônia BCA: Banco de Crédito da Amazônia CONAGRO: Colonização e Consultoria Agrária Ltda. COOPERCANA: Cooperativa Agropecuária Mixta Canarana COOPERCOL: Cooperativa de Colonização 31 de Março CTG: Centro de Tradição Gaúcha DIP: Departamento de Imprensa e Propaganda DJ: Disc-jóquei ESG: Escola Superior de Guerra FAB: Força Área Brasileira FBC: Fundação Brasil Central FUNAI: Fundação Nacional do Índio IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA: Instituto de Colonização e Reforma Agrária ISA: Instituto Socioambiental LAPHES: Laboratório de Pesquisa em Ecologia Humana e Sociedade OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PIN: Plano de Integração Nacional POLOAMAZÔNIA: Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia SPI: Serviço de Proteção ao Índio SPVEA: Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia SUDAM: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia SUDECO: Superintendência para o Desenvolvimento do Centro-Oeste SUFRAMA: Superintendência da Zona Franca de Manaus TI: Terras indígenas

IX

  • Fotografia 1: Contato Xavante com o branco
  • Fotografia 2: Expedição Roncador Xingu chega ao rio das Mortes, em
  • Fotografia 3: Entrada das bandeiras na Festa do Pioneiro de
  • Fotografia 4: Pioneiro discursando na Festa do Pioneiro de 2010.
  • Pampeano Fotografia 5: Centro de Tradições Gaúchas de Nova Xavantina – Centro-Oeste
  • Fotografia 6: Semana Farroupilha de 2010.
  • Fotografia 7: Campeonato de bocha. Semana Farroupilha de
  • Fotografia 8: Costelão sendo assado. Semana Farroupilha de
  • Ilustração 1: Mapa de Nova Xavantina LISTA DE ILUSTRAÇÕES
  • Ilustração 2: Área da Amazônia Legal
  • Ilustração 3: Rio das Mortes que corta a cidade de Nova Xavantina
  • Ilustração 4: Linha do tempo referente a Xavante, Pioneiros e Gaúchos na região
  • Ilustração 5: Mapa da localização dos Xavante em Mato Grosso
  • PARTE
  • CAPÍTULO Análise e interpretação dos dados
  • Ser Xavante e Morar na Cidade _________________________________________
  • 6 O apreço pela cidade___________________________________________
  • 6 Migração e novas dinâmicas sociais _______________________________
  • 6 Migrar, estudar e voltar: os objetivos Xavante ao sair da aldeia para a cidade _
  • 6 “Nossa tradição é primitiva”: O Xavante na cidade ___________________
  • 6 Associação Indígena Bruno Omore Dumhiwê _______________________
  • CAPÍTULO
  • Os Pioneiros ________________________________________________________
  • 7 Apresentando os Pioneiros de Nova Xavantina ______________________
  • 7 Migrar para melhorar de vida ____________________________________
  • 7 Desbravar e colonizar __________________________________________
  • 7 23º Festa do Pioneiro da Marcha para Oeste ________________________
  • 7 Associação dos Pioneiros da Marcha para Oeste _____________________
  • CAPÍTULO
  • Os Gaúchos _________________________________________________________
  • 8 A vida na nova cidade _________________________________________
  • 8 Centro de Tradições Gaúcha “Centro-Oeste Pampeano” _______________
  • CAPÍTULO
  • Interações e sociabilidades em Nova Xavantina ____________________________
  • 9 Xavante: “Uns querem paz, outros querem guerra” ___________________
  • 9.1 Crianças Xavante nas escolas __________________________________
  • 9 Pioneiros: “Nós semeamos a semente” ____________________________
  • 9.2 Netos de Pioneiros ___________________________________________
  • 9.2.1 Relacionamento com os demais grupos _________________________
  • 9.2.1 Ser neto de Pioneiro ________________________________________
  • 9 Gaúchos: “A gente veio pra desenvolver a região” ___________________
  • 9.3 Filhos de Gaúchos ___________________________________________
  • 9.3.1 Relacionamento com os demais grupos _________________________
  • 9.3.1 “Tornando-se mato-grossense”________________________________
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS ___________________________________________
  • REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ____________________________________
  • ANEXO ___________________________________________________________

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INTRODUÇÃO

Nova Xavantina é um município do interior do Mato Grosso construído por diferentes grupos etno-culturais. Inicialmente, estabeleceram-se na região os Xavante, tribo indígena que dá origem ao nome do município. Os Pioneiros, participantes da Marcha para o Oeste chegaram em seguida e, finalmente, os Gaúchos, que partiram do sul do país em colonizações agrícolas durante a década de 1970, quando conflitos agrários se configuravam naquela região. Essa formação etno-cultural de Nova Xavantina revela a cidade como um palco multicultural, o que permite entender e interpretar lógicas simbólicas de pertencimento e exclusão ocasionadas pelo contato entre diferentes grupos etno-culturais. O município é caracterizado em sua história pelo desenvolvimento de duas formas de ocupação oficiais: a ocupação do espaço decorrente da expansão da fronteira agropecuária na região Centro-Oeste, no início da década 1940, e pela inclusão de terras do município em projetos de colonização oficiais e privados, implantados em Mato Grosso na década de 1970. Nesse contexto, é indispensável lembrar que esse espaço já era ocupado pelos indígenas da etnia Xavante pelo menos desde 1820. Logo, a diversidade no espaço citadino é latente, sendo o cotidiano marcado pela diferença. Essa diversidade revela a cidade como campo empírico privilegiado para estudos sobre a interação entre esses grupos 1. Os Xavante vieram para a região do rio das Mortes, onde se localiza Nova Xavantina, entre 1820 e 1870, fugindo das investidas dos brancos. Porém, esse contato foi inevitável em virtude da integração da região Centro-Oeste à economia nacional durante o governo Vargas. A partir da década de 1970, com a maciça colonização sulista no Mato Grosso, intensificou-se o contato entre indígenas e não-índios e, a partir deste momento, muitos xavantes passam a morar na cidade. Durante a vigência do Estado Novo (1937-1945), o presidente Vargas objetivou integrar a região Centro-Oeste à economia nacional, e assim, criou a Marcha para o Oeste em 1938, um projeto nacionalista que defendia a ocupação territorial de terras vazias, expressão getulista cunhada para caracterizar a região que devia ser

1 Há inúmeras pessoas na cidade que vieram de outros municípios e que não pertencem a estes grupos, contudo, essas migrações foram espontâneas, diferentes da migração seminômade dos Xavante e das migrações por projetos nacionalistas como dos Pioneiros e Gaúchos.

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frente ao não reconhecimento a seu respeito como primeiros habitantes do município. Falei, também, com os chamados Pioneiros, que mostraram seu orgulho por terem participado da Expedição que abriu estradas e povoou a cidade e, ainda, com os Gaúchos, que revelaram sua intenção de trazer o progresso quando chegaram à Nova Xavantina. Por meio desse contato com Xavante, Pioneiros e Gaúchos, surgiu a intenção de entender não só os espaços destinados a guardar a memória dessa sociedade como também seu cotidiano, as interações que ocorrem no dia a dia daquela localidade e o modo pelo qual as fronteiras simbólicas entre estes três grupos são mantidas.

Justificativa Diferentes motivos justificam esta pesquisa, sendo possível citar, entre eles: a) Por ser um trabalho que lida com (re)construção identitária entre grupos em contato devido ao processo de expansão agrícola na Amazônia Legal brasileira. Apesar de elementos econômicos e políticos deste processo terem sido estudados anteriormente (Ianni, 1978), a dimensão relacional deste processo recente pode e deve ser melhor compreendido; b) Pelo teor da pesquisa, cujo foco se pauta em entender lógicas simbólicas de pertencimento e exclusão entre grupos que sofreram migrações influenciados por políticas governamentais em diferentes períodos e o modo como essas relações configuram o processo de urbanização nessas comunidades; c) Por ser um trabalho que objetiva estudar o indígena Xavante na cidade. Muitos trabalhos já foram realizados sobre esta etnia, todavia, essas investigações tinham como campo de pesquisa as aldeias indígenas, citando-se como exemplo estudos acerca da oralidade Xavante (Gutjahr, 2008), pesquisas relacionadas ao território (Paula, 2007), à subsistência alimentar (Silva, 2008), à dádiva (Falleiros, 2005) e à vida das crianças desta etnia (Nunes, 2003). Tal reflexão aponta para a necessidade de realizar pesquisas sobre esses indígenas no contexto citadino, tendo esta pesquisa como um dos intuitos centrais compreender as transformações provocadas na identidade indígena Xavante após a mudança para a cidade; d) Finalizando, esta pesquisa também se justifica por estudar a cultura em sua dimensão vivida, analisando lógicas identitárias envolvidas em processos de

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interação entre grupos. Desta maneira, a pesquisa vincula-se à linha de pesquisa de Identidades e Sociabilidades, do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, haja vista que analisa processos de pertencimento social de grupos etno-culturais, examinando as lógicas identitárias que ocorrem nos processos de pertencimento social, de desfiliação e exclusão entre grupos e indivíduos. Esta pesquisa analisa, também, a vida cotidiana em suas dinâmicas e interações, cuja observação permite reconhecer, por meio das práticas sociais, as dimensões da inserção social destes grupos no seu lugar de destino. Por fim, aborda a temática do multiculturalismo ao reconhecer esses grupos como parte fundamental da multiculturalidade local e a emergente tensão proveniente do encontro das diferenças culturais.

A estrutura da dissertação O trabalho está dividido em três partes, sendo a primeira intitulada Considerações sobre a Pesquisa, cujo desenvolvimento subdivide-se em dois capítulos. O primeiro aborda os fundamentos que constroem o eixo teórico da pesquisa, discutindo conceitos como etnicidade, grupos étnicos, identidade, interação e sociabilidade. Essa discussão ampara-se em conceitos de autores como Barth, Cardoso de Oliveira, Carneiro da Cunha, Goffman e Simmel. Em seguida, no capítulo dois, apresenta-se o problema da pesquisa bem como a metodologia utilizada, descrevendo os procedimentos de coleta, sistematização e análise dos dados, além de narrar inserção em campo com os três grupos étnicos abordados nesta pesquisa. Já a segunda parte do trabalho, denominada Retrospectiva histórica e contextualização de Nova Xavantina, ressalta a formação do município a partir dos três grupos etno-culturais. Portanto, o terceiro capítulo narra a vinda dos indígenas Xavante para a região onde se localiza Nova Xavantina, chegando esta narrativa até os dias de hoje. Após, no quarto capítulo, descreve-se a chegada dos Pioneiros a Nova Xavantina, citando para isso os eventos Marcha para o Oeste e Expedição Roncador Xingu. Finalizando essa parte, evidencio as políticas de colonização que trouxeram Gaúchos para a região na década de 1970, além de debater o tradicionalismo gaúcho. Por fim, na terceira parte do trabalho, denominada Análise e interpretação dos dados, são expostos os resultados obtidos com a pesquisa, dividindo-os em quatro capítulos. Deste modo, no sexto capítulo discuto a relação do Xavante com a cidade e

PARTE 1

Considerações sobre a Pesquisa

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CAPÍTULO 1

Referenciais Teóricos sobre Identidade, Grupos Étnicos e Sociabilidade

Ao longo deste capítulo demonstro o marco teórico para análise do problema de pesquisa proposto. Para tanto, realizo, inicialmente, uma reflexão sobre os grupos étnicos, suas fronteiras, seu contato com os outros grupos e, em especial sobre sua identidade étnica. Desse modo, os autores que compõem a discussão são, em especial, Fredrik Barth (1998); Cardoso de Oliveira (1976; 2000; 2006) Poutignat e Streiff-Fenart (1998), Seyferth (1986), Hughes (1994) e Weber (1994). Entre esses autores, Fredrik Barth, com sua introdução do livro Ethnic groups and boundaries, de 1969, é considerado um marco teórico essencial para quem deseja debater questões relacionadas a grupos étnicos, revelando-se fundamental sua leitura para se discutir os assuntos acima propostos. Para tanto, num primeiro momento, será debatida a etnicidade, definida como a condição de se pertencer a um grupo étnico. Posteriormente, o assunto destacado é o grupo étnico, sendo discutidas, concomitantemente, as fronteiras étnicas, que constituem os aspectos culturais marcadores da diferença, essenciais para se entender o debate sobre o pertencimento das pessoas aos grupos. Logo, esses conceitos são essenciais para a compreensão das relações estabelecidas entre os xavantes citadinos e os outros grupos abordados nesta pesquisa. Em seguida, o debate centra-se na identidade e, em especial, na identidade étnica, constituída essencialmente da identidade contrastiva, na qual um grupo se afirma essencialmente como diferente do outro. Neste sentido, autores como Agier (2001), lembram que o ponto de partida da busca da identidade coletiva consiste no fato de que se é sempre o outro de alguém. Do mesmo modo, Pollak (1992) e Follmann (2001) assinalam as características da identidade, essenciais a esta pesquisa. Essencial, ainda, é trazer à tona conceitos como interação e sociabilidade. Para tanto, inicio a reflexão a partir da formulação teórica de George Herbert Mead (1993) e, em seguida, abordo George Simmel (1983; 2006) que, por meio de sua análise sociológica, compreende a sociedade como a soma dos indivíduos em interação. Por fim, o trabalho traz à baila os conceitos goffmanianos (1983; 1999) sobre o assunto.

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símbolos que podem ser compreendidos pelos grupos (POUTIGNAT; SEYFERTH, 1998). Segundo Jenkins (1997), a etnicidade é cultural, pois se baseia em significados compartilhados e, ao mesmo tempo, enfatiza a diferenciação cultural, visto que a identidade é sempre uma dialética entre similaridade e diferença. Logo, saliento que a etnicidade tem início com as categorias sociais de atribuição de identidades étnicas, sendo o produto da interação entre a percepção interna e a resposta externa, de forças que operam dentro dos indivíduos e dos grupos e também do que é imposto a eles (POUTIGNAT; SEYFERTH, 1998). Cohen (apud SEYFERTH, 1986) coaduna com essa perspectiva, ao afirmar que o termo etnicidade tem pouca utilidade quando empregado em percepções de diferenças culturais entre sociedades isoladas, regiões autônomas ou populações independentes, tais como nações dentro de suas fronteiras nacionais. Como exemplo, o autor cita chineses e indianos que, se considerados dentro dos seus respectivos países, possuem diferenças nacionais e não étnicas, mas quando se tornam imigrantes interagindo em uma terra estrangeira, suas diferenças se tornam étnicas. Logo, afirma o autor, “etnicidade é essencialmente uma forma de interação de grupos culturais que operam num contexto social comum” (COHEN apud SEYFERTH, 1986, p. 436). Estudar a etnicidade consiste em inventariar o repertório das identidades disponíveis em uma situação pluriétnica dada e em descrever o campo de saliência dessas identidades nas diferentes situações de contato. A análise da situação da etnicidade liga-se ao estudo da produção e da utilização dos marcadores, por meio dos quais os membros das sociedades pluriétnicas identificam-se e diferenciam-se e, também, ao estudo das escolhas táticas e das estratégias utilizadas pelos grupos. Dentre essas táticas, pode-se citar, em especial, a alternância de identidades ( identity switching) e o domínio da impressão utilizados pelo grupo quando considerado necessário. Esse domínio refere-se à tentativa de controlar a imagem formada pelos demais quando há a interação entre pessoas, isto é, a tentativa de causar uma boa impressão aos demais (POUTIGNAT; STEIFF-FENART, 1998). Propostos os conceitos iniciais acerca da etnicidade, vale ressaltar que esta não é necessariamente o mesmo que grupo étnico. Conforme salienta Cohen (apud POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 1998), um grupo étnico pode ser operacionalmente definido como uma coletividade de pessoas que participa de um alguns padrões de comportamento normativo e que faz parte de uma população maior, interagindo com

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pessoas de outros grupos dentro de um sistema social global, enquanto o termo etnicidade se refere ao grau de conformidade dos membros que estão no coletivo e que se submetem a estas normas de participação. Proponho, então, definições mais aprofundadas sobre os grupos étnicos a fim de compreender essas nuances.

1.1 Grupos étnicos Os estudos realizados sobre grupos étnicos podem ser divididos, de acordo com Poutignat e Streiff-Fenart (1998), em BB ( before Barth), que seria antes de Fredrik Barth e AB ( after Barth), após Barth. Este autor refutou, na década 1960, o que havia sido afirmado anteriormente sobre os grupos étnicos, na antropologia, por meio da introdução do livro Ethnic groups and his boundaries – the social organization of culture difference. De acordo com Barth (1998), o termo grupo étnico era utilizado na bibliográfica antropológica (em especial em Narrol, 1964) para designar uma população que se perpetuava biologicamente de modo amplo, compartilhava valores culturais, constituía um campo de comunicação e interação e possuía membros que se identificavam e eram identificados por outros, como se constituíssem uma categoria distinguível de outras categorias do mesmo tipo. Porém, como estabelece Barth (1998), essa formulação impossibilitava o entendimento dos grupos étnicos e seu lugar na sociedade e na cultura humana, porque foge das questões problemáticas, instalando um ponto de vista preconcebido a respeito dos fatores significativos no que se refere à gênese, estrutura e função de tais grupos. Sendo assim, havia ingenuidade na visão anterior, ao se pensar que poderia definir uma unidade étnica por uma lista de traços, por ser impossível encontrar um conjunto de traços culturais que se pudesse distinguir desta forma um grupo e outro. Essa visão também induzia a não assumir a manutenção das fronteiras como um problema e a vê-la como decorrente do isolamento implicado pelas seguintes características: diferença racial, diferença cultural, separação social e barreiras lingüísticas, hostilidade espontânea e organizada. Essa forma de pensar leva a entender que cada grupo desenvolve sua forma cultural e social em isolamento relativo, reagindo a fatores ecológicos locais. Posteriormente a Barth, muitos outros autores desenvolveram o conceito de grupo étnico, mas sempre em referência ao conceito de Barth, seja contra ou a favor. Cohen (apud SEYFERTH, 1986), por exemplo, criticou a posição de Barth, afirmando que a partir da abordagem barthiana tudo o que se poderia fazer é comprovar que as

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