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ALEX Callinicos Capitalismo e Racismo

Disciplina

SOCIOLOGIA GERAL (6SOC140)

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Ano académico: 2021/2022
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Universidade Estadual de Londrina

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Sit e Lut a Global ht t p: / / socialist a. t r ipod. com

CAPI T ALI SMO E RACI SMO

Alex Callinicos

Índice

Apresentação à Tradução Brasileira
1. Introdução
2: uma tradição européia?
3. De onde vem o racismo?
4. Escravismo e o desenvolvimento do capitalismo
5. O racismo no capitalismo contemporâneo
6. Trabalhadores negros e brancos
7. Comunidade e classe
8. Los Angeles: rebelião de classe, não revolta social
9 e Luta de Classes
10. Revolução socialista e libertação negra
11. Notas

APRESEN T AÇÃO À T RADUÇÃO BRASI LEI RA

A importância do tema 'racismo' é mais do que evidente. Atestam-na os recentes assassinatos de imigrantes por policiais nos EUA, a ascensão do partido nazista de Haider na Áustria. No Brasil, os crimes cometidos por skinheads, cujos alvos principais tem sido nordestinos e homossexuais, tem chamado a atenção para a proliferação de idéias fascistas, principalmente entre setores de uma juventude acossada pela crise econômico -social, desemprego e a desesperança. Mas não são apenas as condições objetivas que favorecem a aceitação das idéias fascistas. O racismo é um traço marcante e essencial da sociedade brasileira desde o início da colonização portuguesa, há exatamente 500 anos. As formas de manifestação do racismo mudaram desde a época em que o racismo oficial se baseava nos 'Estatutos de pureza de sangue', que dividia a sociedade entre as pessoas de 'sangue limpo' e 'sangue infecto'. Ninguém ousa defender,

hoje em dia, de forma aberta o racismo 'científico' de um Gobineau, como o fez Sílvio Romero no começo do século 20. Tampouco alguém teria coragem de defender o 'enbranquecimento' da população brasileira, como muitos o fizeram no passado, propondo um maior fluxo de imigrantes europeus. Pelo contrário, o discurso oficial da classe dominante é o de apresentar o país como uma nação harmônica, multiétnica. Quando se reconhece a existência do racismo é para apresentá-lo como sendo ameno, ou, 'cordial'. As primeiras vítimas do colonialismo foram os indígenas. Quando chegaram os portugueses estima-se que eram quase 5 milhões de indígenas espalhados pelo Brasil. Dizimados pelas doenças trazidas pelos europeus, escravizados, caçados como animais pelas florestas, catequizados pelos jesuítas, os indígenas foram sendo paulatinamente dizimados e expulsos de suas terras. Ainda nos dias de hoje, os pouco mais de 200 mil indígenas sobreviventes ainda são vítimas da ambição e da violência de grileiros, latifundiários e do descaso do governo federal. Quase a metade (48%) da população brasileira é formada por negros, entendendo aqui a soma dos 'pretos'e 'pardos'. E, no entanto, o grau de exclusão do negro brasileiro é assustador em t odos os indicador es sociais. Basta recordar que, segundo o IBGE, o Brasil (oitavo PIB do mundo) ocupa o 65 ° lugar no mundo em termos de condições de vida. Mas essa posição cairia para o 120° lugar ao se considerar apenas a população negra, o que dá uma dimensão do seu nível de exclusão social. Ainda segundo o relatório do IBGE/PPV de 1998 o rendimento médio mensal nacional por sexo e raça foi o seguinte: homem branco, R$ 881; mulher branca, R$ 579; homem negro, R$ 423; mulher negra, R$266. Mas os negros não são apenas excluídos econômica e socialmente, mas são também o alvo preferencial da violência da polícia e dos grupos de extermínio. Nas prisões a presença de negros é desproporcionalb. A possibilidade de um negro ser preso é, segundo algumas pesquisas, pelo menos 5 vezes maior do que a de um branco. Há dados abundantes que comprovam que o negro é vítima de um racismo sistemático que torna vítima de um genocídio perpetrado pelos aparelhos repressivos do Estado em conluio com o verdadeiro exército privado mantido pela classe dominante e os grupos de extermínio que agem nas grandes cidades vitimando preferencialmente jovens, negros e favelados. Uma peculiaridade perversa do racismo brasileiro é que a cada momento um ato racista está sendo cometido, a cada ano milhares de negros são vítimas de violência policial, mas oficialmente o racismo não existe num país em que todos os representantes das classes dominantes, todos os políticos e oficiais dos órgãos do

Marquês de Pombal, mas o racismo prosseguiu se renovando, assumindo subseqüentemente a aparência 'racional' e 'científica' do darwinismo social e de teorias abertamente racistas como as apresentadas por Gobineau. Entretanto nada disso retira o caráter universal das reflexões expostas em Capit alismo e Racismo. Acreditamos que pode proporcionar os referenciais teóricos e políticos que podem instrumentalizar uma análise concreta do racismo contemporâneo no Brasil. E esta é uma tarefa urgente e necessária se quisermos combater efetivamente o racismo. Capit alismo e Racismo foi traduzida de Race and Class, Bookmarks, Londres, janeiro de 1993. Alex Callinicos é membro do SWP da Grã-Bretanha, e autor de inúmeros livros, entre os quais A Vingança da Hist ór ia, publicado no Brasil pela Jorge Zahar Editora. Tradução: Rui Polly. Setembro, 2000. R. P.

Cap. 1 - Introdução

O racismo continua sendo uma das características centrais das sociedades capitalistas avançadas. Está institucionalizado na discriminação sistemática que as pessoas negras sofrem no trabalho, moradia, no sistema educacional, e no assédio pela polícia e autoridades do controle de imigração. Os negros são também vítimas sistemáticas da violência racista, como atestam os assassinatos, nos últimos anos, de Rolan Adams, Rohit Duggal e Stephen Lawrence no sudeste de Londres, e Michael Griffiths e Yusuf Hawkins em Nova Iorque. Um desenvolvimento marcante na política européia desde as revoluções do leste europeu em 1989 tem sido o ressurgimento do racismo, tanto na forma não- oficial dos partidos fascistas e racistas que têm conseguido recentemente ganhos eleitorais significativos (principalmente na França, Alemanha e Bélgica), quanto na forma oficial das tentativas orquestradas pelos governos europeus de restringir mais ainda a imigração, atacando, inclusive, o direito ao asilo. A Comunidade Européia mais unida na qual os políticos burgueses - e até mesmo alguns socialistas

  • depositam suas esperanças será a “Fortaleza Europa”, com as suas portas firmemente fechadas para as massas empobrecidas de um Terceiro Mundo, ao qual estão ingressando a maior parte dos ex-Estados stalinistas.

Com relação à mais poderosa sociedade capitalista do mundo, os EUA, o acadêmico Andrew Hacker argumenta em um recente estudo que: “Americanos negros são americanos, mas eles ainda subsistem como estranhos na única terra que eles conhecem. Outros grupos podem permanecer à margem da sociedade - como, por exemplo, algumas seitas religiosas -, mas estas assim permanecem voluntariamente. Em contraste, os negros devem suportar uma segregação que está longe de ser uma escolha livre. Assim a América pode ser vista como duas nações separadas. É claro que existem lugares em que as raças se misturam. Mas nos aspectos mais significativos, a separação é penetrante. Como uma divisão humana e social essa separação sobrepuja todas as outras - mesmo as de gênero - em intensidade e subordinação.” [1] A grande rebelião de Los Angeles de abril de 1992 - cujos ecos se sentiram em cidades tão distintas como San Francisco, Las Vegas e Atlanta - mostrou como raça e classe juntas têm o potencial de romper a estrutura da sociedade norte-americana. O fato gritante de que as democracias capitalistas ricas são sociedades profundamente racistas exige uma ação que desafie e, se possível, acabe com o racismo. Certamente qualquer estratégia anti-racista pressupõe uma análise da natureza e das causas do racismo. A visão liberal tradicional, ainda muito influente, trata o racismo primeiramente como um problema de at it ude: o problema todo se resume em que os brancos têm preconceitos contra os negros. A solução óbvia, aparentemente, seria educar os brancos para despojá-los de seus preconceitos. Esse diagnóstico está implícito no programa Racism Awar eness Tr aining (RAT) [Treinamento para a conscientização sobre o racismo, N.], o qual tendo sido desenvolvido nos EUA nos anos 70, foi assumido durante a década de 80 na Grã- Bretanha por prefeituras dirigidas pelo Partido Trabalhista [2]. Ao mesmo tempo houve uma tendência a se substituir a velha meta liberal de integrar as minorias negras às sociedades “hospedeiras” do Ocidente pela idéia do multiculturalismo. Isso implicou em conceber a sociedade como um ajuntamento de grupos étnicos, cada qual com sua cultura própria e irredutível. O objetivo passou a ser um arranjo pluralista baseado no entendimento mútuo entre os diferentes grupos étnicos, envolvendo, em particular, uma apreciação do valor das tradições não-européias pela maioria branca [3]. Ao contrário, muitos anti-racistas radicais vêem o racismo não como uma questão de idéias na cabeça das pessoas, mas sim de opr essão, de desigualdades sistemáticas de poder e de oportunidades de vida geradas por uma estrutura social

desenvolvimento histórico que emerge das experiências históricas dos povos europeus mediadas, por sua vez, pela sua civilização, suas ordens sociais e suas culturas”. O marxismo, afirma Robinson, não é europeu apenas em suas origens, mas em “seus pressupostos analíticos, suas perspectivas históricas, seus pontos de vista”. Consequentemente o marxismo falhou em confrontar uma 'idéia recorrente' na 'civilização ocidental', notadamente o racismo e, em particular, o modo pelo qual o “racismo inevitavelmente permearia as estruturas sociais emergentes do capitalismo”. Os intelectuais radicais negros do século XX - dos quais Robinson traça os trajetos de WEB Du Bois, CLR James e Richard Wright - tiveram, portanto, que sair do marxismo e redescobrir uma tradição mais antiga, “a resistência persistente, e em contínua evolução, dos povos africanos à opressão”, pois são estes, e não “o proletariado europeu e seus aliados”, que constituem a 'negação' da sociedade capitalista [6]. O problema é que a concepção de Robinson da tradição negra radical, a qual ele contrapõe ao marxismo, beira o místico: “As distinções entre espaço político e tempo histórico têm desaparecido, de modo que a formação de uma identidade coletiva negra banha os nacionalismos [...] Abrigada na Diáspora africana existe uma identidade histórica única que está em oposição às privações sistêmicas do capitalismo racial”. Robinson parece estar dizendo que a luta dos negros contra a opressão, tanto na África como no Novo Mundo, serviram para forjar uma identidade comum. Mas quando ele tenta explicar a natureza dessa identidade torna-se ainda mais obscuro, declarando, por exemplo, que o foco da tradição radical negra “estava nas estruturas da mente”, seja lá o que signifique isso [7]. As diferenças reais entre as formas de luta - as tentativas de sobrevivência de negros abandonados nas margens das colônias do 'Novo Mundo', a revolução haitiana e outras revoltas de escravos, a resistência das sociedades africanas à expansão colonial européia, os grandes levantes urbanos dos negros americanos durante a década de 60, a luta contemporânea contra o Apartheid, para não falarmos dos conflitos atuais entre os próprios negros - como os existentes entre os apoiadores do Congresso Nacional Africano e o Inkhata na África do Sul - , são todas elas dissolvidas numa única “identidade” vaga e abstrata. Entretanto, o desafio colocado por Robinson e seus co-pensadores permanece. Pode a tradição marxista clássica de Marx e Engels, Lenin e Trotsky, proporcionar uma análise do racismo capaz de oferecer a base de uma estratégia

efetiva para a libertação negra? Este pequeno livro é uma tentativa de responder esse desafio. O que eu tentarei mostrar é que o racismo é um fenômeno moderno. Diz-se frequentemente que o racismo é tão antigo quanto a natureza humana, e em consequência não poderia ser eliminado. Pelo contrário, o racismo tal como o conhecemos hoje desenvolveu-se nos séculos 17 e 18 para justificar o uso sistemático do trabalho escravo africano nas grandes plantações do 'Novo Mundo' que foram fundamentais para o estabelecimento do capitalismo enquanto sistema mundial. O racismo, portanto, formou-se como parte do processo através do qual o capitalismo tornou-se o sistema econômico e social dominante. As suas transformações posteriores estão ligadas às transformações do capitalismo. Assim, o racismo hoje resulta das divisões que foram fomentadas entre diferentes grupos de trabalhadores, cuja competição no mercado de trabalho é intensificada pelo fato de que os mesmos, frequentemente, vem de diferentes partes do mundo, agrupados no interior das fronteiras de um mesmo Estado pelo apetite insaciável do capital por força de trabalho. Dessa forma o racismo serve para jogar os trabalhadores uns contra os outros, e para impedi-los de combater efetivamente os patrões que exploram a todos eles, independente de sua cor ou origem nacional. Podemos tirar duas conclusões políticas muito importantes dessa análise. A primeira é que o racismo atua contra os interesses de t odos os trabalhadores, tanto brancos quanto negros. Uma classe trabalhadora dividida prejudica mesmo aqueles trabalhadores que não são vítimas diretas do racismo. Assim um elemento central de qualquer estratégia anti-racista deve ser a conquista dos trabalhadores brancos para que identifiquem os seus interesses com os dos trabalhadores negros, vítimas da opressão racial. Os nacionalistas negros estão equivocados, portanto, quando consideram que os trabalhadores brancos são irremediavelmente racistas. Em segundo lugar, a meta da luta anti-racista deve ser a libertação dos oprimidos como parte de uma batalha mais ampla contra o próprio capitalismo. O racismo surgiu e cresceu com o capitalismo e ajuda a sustentá-lo. A sua abolição depende, portanto, de uma revolução socialista que rompa as estruturas materiais às quais estão vinculadas. Esta é uma análise do racismo que toma a classe como seu ponto de partida: o racismo sustenta a dominação da classe capitalista, e só pode ser derrubado por uma classe trabalhadora unida. Existem muitas objeções a uma análise deste tipo. Afinal, afirmar que os trabalhadores brancos não se beneficiam

servem para justificar a sua opressão. O que importa realmente é a idéia de um conjunto sistemático de diferenças - do qual as diferenças físicas visíveis são uma parte - entre opressores e oprimidos, mais do que as diferenças físicas em si. O que confunde a questão é que a ideologia racista clássica tende a destacar supostas diferenças físicas entre grupos de pessoas. A versão teoricamente mais articulada da ideologia racista é o que Peter Fryer chama de “mitologia pseudo-científica de raça”, que floresceu na Grã-Bretanha (e também no resto do mundo capitalista desenvolvido) entre os anos 1840 e 1940. Essa versão assumia que a humanidade estava dividida em raças, cada uma delas baseada em características biológicas distintas, e que a dominação do mundo pelo imperialismo ocidental refletia a superioridade inerente das raças brancas sobre as demais no processo de seleção natural [10]. Essa idéia de raças biologicamente distintas não possui base científica: “De todas as variações genéticas conhecidas por enzimas e outras proteínas, onde tenha sido possível realmente contar as freqüências de diferentes formas dos genes e assim conseguir uma estimativa objetiva da variação genética, 85 por cento resultam ser entre indivíduos de uma mesma população local, tribo ou nação. Outros 8 por cento são entre tribos ou nações dentro de uma grande “raça”. E os restantes 7 por cento são entre grandes “raças”. [...] Qualquer uso de categorias raciais deve tomar suas justificativas de alguma outra fonte que não a biologia. A característica notável da evolução e da história humanas tem sido o grau muito pequeno de divergência entre populações geográficas em comparação com a variação genética entre indivíduos.”[11] Diferenças raciais são invent adas: isto é, emergem como parte de uma relação de opressão historicamente específica para justificar a existência dessa relação. Assim, qual é a peculiaridade histórica do racismo enquanto uma forma de opressão? Em uma primeira instância é que as características que justificam a opressão são iner ent es ao grupo oprimido. Uma vítima do racismo não pode transformar-se para evitar a opressão; pessoas negras, por exemplo, não podem mudar a sua cor. Isso representa uma diferença importante, por exemplo, entre opressão racial e opressão religiosa, uma vez que a solução para alguém que seja perseguido por motivos religiosos é mudar a sua fé. Assim não há saída para a opressão pelos membros da 'raça' subordinada. Agora, essa forma de opressão é peculiar às sociedades capitalistas. Deve ser diferenciada de uma característica difundida nas sociedades pré-capitalistas, notadamente os preconceitos contra estrangeiros. A maior parte das pessoas

antes do advento do capitalismo industrial era formada por camponeses que viviam em pequenas comunidades rurais. A pobreza das comunicações na época significava que o contato com pessoas de fora de um raio extremamente limitado era muito raro. O resultado era frequentemente um envolvimento intenso, quase sufocante, com a vida dos demais membros da comunidade, combinado com uma profunda ignorância e suspeita dos estrangeiros. O que o sociólogo Zygmunt Bauman chama de 'heterofobia' (ressentimento da diferença) não é a mesma coisa do racismo moderno: “Em um mundo que se vangloria da capacidade sem precedentes de melhorar as condições humanas, reorganizando os assuntos humanos em uma base racional, o racismo manifesta a convicção de que uma certa categoria de seres humanos não pode ser incorporada a essa ordem racional, qualquer que seja o esforço.” [12] O que é notável sobre as sociedades escravistas e feudais da Europa pré- capitalista é, contrariamente às afirmações de Robinson e Marable, a ausência de ideologias e práticas que excluíam e subordinavam um grupo particular sobre a base de sua inferioridade inerente. As sociedades escravistas da Grécia e Roma clássicas não parecem ter se apoiado no racismo para justificar o uso em grande escala de escravos para proporcionar à classe dominante o seu sobreproduto. O historiador negro norte-americano, Frank M Snowden Jnr, escreve: “O intercurso social [entre negros e brancos] não fez surgir entre gregos e romanos os preconceitos de cor de certas sociedades ocidentais posteriores. Os gregos e romanos não desenvolveram teorias de superioridade branca”[13]. O exemplo mais notável da ausência de racismo baseado na cor na Antiguidade clássica é proporcionado pelo caso de Septimus Severus, imperador romano de 193 a 211 d., que quase certamente era negro. Uma das principais características do domínio romano era o esforço de incorporar aristocracias locais a uma classe dominante que compartilhava uma cultura que fundia as tradições grega e romana. Um outro caso é apresentado por Martin Bernal em sua celebrada obra Black At hena [Atenas Negra]. Esse livro tem causado um enorme impacto entre os radicais negros porque procura mostrar que a Grécia Clássica - que ainda ocupa uma posição santificada na cultura ocidental como a origem da civilização européia

  • foi um desdobramento de sociedades mais avançadas da África e da Ásia. Obviamente seria um golpe poderoso no racismo ocidental se a tese histórica de Bernal pudesse ser comprovada. Existem, entretanto, dificuldades com a tese, sobre as quais não é necessário que nos debrucemos aqui [14]. De importância mais direta é o fato de que Bernal vê-se reavivando o que ele chama de 'Modelo Antigo',

O mundo mediterrâneo (e suas extensões na Europa e na Ásia centrais) tornou-se, dessa maneira, polarizado entre duas civilizações rivais, o Islã e o Cristianismo, cujo conflito estendeu-se por dez séculos, das conquistas árabes de boa parte do Império romano oriental logo após a morte do fundador do Islã, Maomé, em 632, até o segundo cerco de Viena em 1683. Mas apesar da ferocidade dessa luta, não foi uma luta racial. Conversões de uma fé para outra ocorriam algumas vezes. Durante as Cruzadas os governantes cristãos e muçulmanos realizaram alianças com freqüência. E no clímax da ameaça Otomana à Cristandade no século 16 o rei da França tendeu a apoiar o Sultão da Turquia em sua luta contra os governantes da dinastia Habsburgo na Espanha como um modo de enfraquecer um perigoso rival europeu. Seguidores de outras fés que não a fé dominante eram frequentemente discriminados ou perseguidos de vários modos: os exemplos mais notáveis no caso da Cristandade medieval foram talvez os massacres muito comuns de judeus na época da I Cruzada no final do século 11 e o extermínio dos Cathars de Languedoc no começo do século 13. Contudo as perseguições religiosas desse tipo não eram o mesmo que opressão racial. Talvez isso seja melhor salientado pelo caso dos judeus. O que Hanna Arendt chama de a “suposição de um anti-semitismo eterno”, segundo a qual “explosões não necessitam explicação especial porque são conseqüências naturais de um problema eterno”, é bastante difundida [20]. Nessa visão o Holocausto ocorre simplesmente como o último caso de 2 anos de anti- semitismo. Mas como assinala Zygmunt Bauman, enquanto na Europa pré-moderna os judeus estavam em uma posição particularmente vulnerável por causa de seu status como out sider s religiosos isso não “impedia a sua acomodação à ordem social prevalecente (...) Em uma sociedade dividida em estados ou castas os judeus eram apenas um estado ou casta dentre muitos. O judeu individual era definido pela casta à qual pertencia, e pelos privilégios ou fardos que a casta desfrutava ou suportava. Mas o mesmo se aplicava a todos os outros membros da mesma sociedade.”[21]. O anti-semitismo moderno desenvolveu-se no século 19 tendo como pano de fundo o colapso dessa ordem hierárquica de estados, e tratava o judeu não como um out sider religioso, mas como o membro de uma raça biologicamente inferior. Foi a emergência do anti-semitismo racial que fez a “Solução Final” nazista concebível em termos ideológicos. Nas palavras de Arendt, “os judeus foram capazes de escapar do judaísmo [religioso] através da conversão; do judaísmo [racial] não houve escapatória.”[22]. Pelo final do século 19 os judeus já não eram uma minoria religiosa, com o

seu lugar - embora subordinado e vulnerável - dentro da ordem social existente. Nas sociedades turbulentas, belicosas e polarizadas da Europa moderna eles ficaram marcados ideologicamente como os principais bodes expiatórios para esses antagonismos. Os judeus adquiriram esse rótulo como um resultado da ideologia racial que, como veremos, foi construída como uma justificação para o domínio europeu do resto do mundo. A tentativa dos nazistas de exterminá-los não foi, portanto, a última expressão do que um autor chama de o 'ódio mais antigo', mas uma consequência das profundas tensões no coração do capitalismo moderno.

Cap. 4 - Escr avismo e Desenvolviment o Capit alist a

O racismo como o conhecemos hoje desenvolveu-se durante um período chave no desenvolvimento do capitalismo enquanto modo de produção dominante em escala global - o estabelecimento das plantações coloniais no 'Novo Mundo', durante os séculos 17 e 18, utilizando o trabalho escravo importado da África para produzir bens de consumo como tabaco, açúcar e algodão para o mercado mundial. Peter Fryer traçou o seu desenvolvimento na Grã-Bretanha: “O racismo emergiu na tradição oral em Barbados no século 17 e cristalizou-se em forma impressa na Grã-Bretanha no século 18 como a ideologia da 'plantocracia', a classe dos plantadores de cana-de -açúcar e dos mercadores de escravos que dominavam as colônias inglesas no Caribe.”[23] A afirmação mais influente dessa ideologia foi dada por Edward Long em Hist or y of J amaica (1774) [História da Jamaica], mas já em 1753 o grande filósofo escocês David Hume, um dos gigantes do Iluminismo do século 18, tinha declarado: “Estou apto a suspeitar que os negros, e em geral todas as outras espécies de homens (...) sejam naturalmente inferiores aos brancos.” [24] O desenvolvimento do que Robin Blackburn chama de “escravidão sistêmica” nas plantações da América do Norte e das Antilhas, exigindo a importação de algo como 6 milhões de cativos africanos somente no século 18, é um dos maiores crimes do capitalismo [25]. Contudo é um argumento comum que a existência anterior do racismo é que levou à exploração dos escravos africanos. Essa interpretação foi colocada em xeque por Eric Williams em seu estudo clássico: “A escravidão não nasceu do racismo: ao invés disso, o racismo foi a consequência da escravidão. O trabalho cativo no Novo Mundo era marrom, branco, negro e amarelo; católico, protestante e pagão. [26] De fato, as economias de plant at ion inicialmente se apoiavam no trabalho

imigrações. Mesmo o senhor mais avarento e míope podia prever o desastre em tal política.”[29] A solução para os problemas de oferta de mão-de -obra veio com a importação, a partir dos anos 1680, de “trabalhadores africanos em número cada vez maior”, que “tornou possível manter grupos de trabalhadores suficientes nas plant at ions, sem criar uma carga explosiva de ingleses armados ressentidos por lhes serem negados os direitos de todos os ingleses e dispondo de recursos políticos e materiais para fazer sentir esse ressentimento” [30]. O racismo desenvolveu-se no contexto criado pelo desenvolvimento da 'escravidão sistêmica' do Novo Mundo: a idéia de que os africanos eram (nas palavras de Hume) 'naturalmente inferiores' aos brancos justificou o ato de negar- lhes 'os direitos dos ingleses' e escravizá-los. Mas isso coloca uma outra questão. Em primeiro lugar, por quê era necessário justificar a escravidão? Essa pergunta pode parecer estranha até que consideremos o outro grande exemplo histórico de uma sociedade baseada no trabalho escravo, a Antiguidade Clássica. Ellen Wood observa: “ Algumas pessoas podem se surpreender ao constatar que na Grécia e Roma antigas, apesar da aceitação quase universal da escravidão, a idéia de que a escravidão fosse justificada por desigualdades naturais entre seres humanos nunca “pegou”. A única exceção notável, a concepção de Aristóteles da escravidão natural, nunca se consagrou. A visão mais comum me parece ter sido a de que a escravidão era uma convenção, embora uma convenção útil, que era justificável simplesmente sobre a base de sua utilidade. De fato, era até mesmo reconhecido que essa instituição útil era cont r ár ia à nat ur eza. Tal visão aparece não só na filosofia grega, mas era até mesmo reconhecida pela lei romana. Tem se sugerido que a escravidão era o único caso na legislação romana em que havia um conflito reconhecido entre o ius gent ium, a lei convencional das nações, e a ius nat ur ale, a lei da natureza.”[31] Por quê os ideólogos de Grécia e Roma achavam desnecessário apresentar qualquer justificação elaborada do que eles reconheciam ser uma instituição “não natural”? Para respondermos essa pergunta devemos ter em mente um dos traços básicos das sociedades de classe pré-capitalistas, notadamente a dependência do que Marx chamou de 'força extra-econômica'. Tanto o escravismo antigo quanto o feudalismo medieval se apoiavam na exploração de trabalho cativo. O escravo era reduzido ao status de um bem, um instrumento falante (inst r ument um vocale), como diziam os romanos. Como tal, o escravo estava totalmente sujeito à força

física do senhor, que podia espancar, violentar sexualmente, torturar e até matar. Essa extrema subordinação de um grupo de pessoas a um outro pressupunha o poder militar das cidades-Estado gregas e do império romano. O camponês feudal, embora tipicamente desfrutasse de direitos maiores e controlasse um lote da terra, estava sujeito ao poder militar e judicial do senhor. Esse poder era usado para compelir o camponês a trabalhar para o senhor, proporcionando-lhe serviços forçados, seja trabalhando uma parte da semana nas terras do senhor ou entregando-lhe uma parte de sua colheita [32]. A natureza da exploração nessas sociedades estava refletida na sua divisão hierárquica e na divisão da população em grupos legalmente desiguais - cidadãos e escravos na Antiguidade clássica (e na verdade os próprios cidadãos estavam divididos em ricos e pobres), os estados da Europa medieval. Seus ideólogos davam-na como certa, e tendiam a retratar a sociedade baseada numa divisão de trabalho na qual mesmo o mais humilde tinha uma função designada. O famoso diálogo de Platão, um dos grandes filósofos da Grécia antiga, A República, com a sua hierarquia de Guardiões, Guerreiros e Trabalhadores, é a versão ocidental clássica dessa ideologia. Um outro exemplo é citado pelo grande filósofo árabe medieval, Ibn Khaldûn: “O mundo é um jardim cuja cerca é a dinastia. A dinastia é uma autoridade através da qual a vida recebe comportamento adequado. Comportamento adequado é uma política dirigida pelo governante. O governante é uma instituição apoiado pelos soldados. Os soldados são ajudantes, os quais são mantidos por dinheiro. Dinheiro é um sustento trazido pelos súditos. Os súditos são servos protegidos pela justiça. A justiça é algo familiar e, através dela, o mundo persiste. O mundo é um jardim...”[33] Em sociedades tão hierárquicas a escravidão era apenas um dentre o espectro de vários status desiguais, não requerendo explicação especial. Na sociedade capitalista é diferente. Pois o modo de produção capitalista se baseia na exploração do trabalho assalariado livre. O trabalhador assalariado é, afirma Marx, “livre em um duplo sentido, livre das velhas relações de (...) escravidão e servidão, e, em segundo lugar, livre de todos os pertences e posses e (...) livr e de t oda a pr opr iedade” [34]. Não é a subordinação legal e política ao explorador, mas a sua separação dos meios de produção e a compulsão econômica resultante para vender o seu único recurso produtivo, a força de trabalho, que é a base da exploração capitalista. Trabalhador e capitalista confrontam-se no mercado de trabalho como legalmente iguais. Os trabalhadores são perfeitamente livres para

doutrinas pareciam representar acuradamente o mundo no qual viviam todos, menos uma minoria. Somente quando a negação da liberdade tornou-se uma anomalia aparente até mesmo para os membros menos observadores e reflexivos da sociedade euro-americana é que essa ideologia passou a explicar sistematicamente a anomalia.”[36] De modo semelhante Peter Fryer mostra como o racismo emergiu na Grã- Bretanha do século 18 “como uma ideologia em grande parte defensiva - a arma de uma classe cuja riqueza, modo de vida e poder estavam sob ataque cerrado” [37]. Os ideólogos racistas, como Long, escreveram para defender os plantadores das Antilhas das pressões crescentes para abolirem não só o comércio escravo, mas a própria instituição da escravidão. Mas a ideologia racista sobreviveu à abolição, e recebeu, aliás, uma elaboração teórica posterior durante o século 19 na forma da pseudo-científica biologia de raças, a qual lançou mão de uma versão vulgarizada da teoria da seleção natural de Darwin. Isso refletiu o fato de que a anomalia que havia dado origem ao racismo continuava a existir em uma outra forma, a dominação do mundo por um punhado de potências européias (ou, no caso dos EUA e da Rússia, europeizadas). Esse estado de coisas era justificado pela idéia de que a constituição biológica dos asiáticos e africanos tornava-os adequados para serem dominados pelas 'raças' brancas, cujo dever era governar o mundo nos interesses de seus súditos. A afirmação clássica dessa visão é o poema “The White Man’s Burden” de Rudyard Kipling, escrito em 1898 como um apelo aos EUA, então apenas no início de sua carreira como potência imperialista:

Tomai o fardo do Homem Branco Enviai os teus melhores filhos - Ao exílio entrelaçados Para servir às faltas de teus cativos; Para esperar em duro ofício Gentes agitadas e selvagens - Vossos recém-conquistados, fastientos povos Meio demônios, meio crianças. [38]

(Take up t he W hit e Man’s bur den-/ Send f or t h t he best ye br eed-/ Go bind your sons t o ex ile/ To ser ve your capt ives’ need;/ To wait in heavy harness/ On f lut t er ed f olk and wild-/ Your new-caught , sullen peoples,/ Half devil and half child.)

Cap. 5 - O Racismo no Capitalismo Contemporâneo

O racismo é, portanto, uma criatura da escravidão e do Império. Ele desenvolveu-se para justificar a negação aos oprimidos das colônias os direitos iguais que o capitalismo prometia a toda a humanidade. A discussão até aqui estabelece, portanto, um vínculo histórico entre racismo e capitalismo. Mas e o racismo contemporâneo? Interromper simplesmente a análise nesse ponto deixaria o racismo contemporâneo como algum tipo de resquício do passado, que de alguma forma teria conseguido sobreviver à abolição da escravidão e o colapso dos impérios coloniais. De qualquer modo essa parece ser a visão de Peter Fryer: "Muito depois de as condições materiais que deram origem à ideologia racista terem deixado de existir, essas idéias mortas seguiram influenciando a mente dos vivos. Elas levaram a vários tipos de comportamento racistas por parte de muitas pessoas brancas na Grã-Bretanha, incluindo pessoas brancas das autoridades."[39] Essa análise, ao afirmar que o racismo já não possui bases materiais, implica que a principal tarefa dos anti-racistas é mudar as atitudes, presumivelmente através de algum processo de educação. Ela é, todavia, equivocada: as condições materiais do capitalismo moderno continuam a dar vida ao racismo. Notemos, em primeiro lugar, uma mudança na ideologia racista. Martin Barker é um dentre muitos escritores a terem notado a emergência do que ele chama de 'novo racismo', que destaca não a superioridade biológica de algumas raças sobre outras, mas as diferenças culturais entre grupos 'étnicos' [40]. Os ideólogos da direita conservadora na Grã-Bretanha, de Enoch Powell a Norman Tebbit, usaram a idéia de que as diferenças culturais entre povos europeus e não europeus impossibilitam a sua convivência em uma mesma sociedade para justificarem controles de imigração mais rígidos e até mesmo (no caso de Powell) a repatriação de pessoas negras. Mas o exemplo mais notório dessa variante de racismo é a declaração de Margareth Thatcher durante uma entrevista no programa de TV W or ld in Act ion no dia 30 de janeiro de 1978: "As pessoas estão realmente com medo de que esse país possa ser inundado [em inglês swamped] por pessoas de uma cultura diferente". Que proporção de mudança o 'novo racismo' representa e o que causou o seu surgimento? Comecemos com esta última questão. Como vimos, a idéia de que a humanidade está dividida em raças com constituições biológicas diferentes já não possui respeitabilidade científica. Além disso, é definitivamente vergonhosa moral e politicamente por causa do uso feito pelos nazistas. Após o Holocausto nazista o racismo biológico, em sua fórmula do século 19, passou a ter um odor putrefato - daí a mudança da biologia para a cultura, e da raça para a etnia.

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ALEX Callinicos Capitalismo e Racismo

Disciplina: SOCIOLOGIA GERAL (6SOC140)

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CAPI TALI SMO E RACI SMO
Alex Callinicos
Índice
Apresentação à Tradução Brasileira
1. Introdução
2.Marxismo: uma tradição européia?
3. De onde vem o racismo?
4. Escravismo e o desenvolvimento do capitalismo
5. O racismo no capitalismo contemporâneo
6. Trabalhadores negros e brancos
7. Comunidade e classe
8. Los Angeles: rebelião de classe, não revolta social
9.Racismo e Luta de Classes
10. Revolução socialista e libertação negra
11. Notas
APRESENTAÇÃO À TRADUÇÃO BRASI LEI RA
A importância do tema 'racismo' é mais do que evidente. Atestam-na os
recentes assassinatos de imigrantes por policiais nos EUA, a ascensão do partido
nazista de Haider na Áustria. No Brasil, os crimes cometidos por skinheads, cujos
alvos principais tem sido nordestinos e homossexuais, tem chamado a atenção para
a proliferação de idéias fascistas, principalmente entre setores de uma juventude
acossada pela crise econômico-social, desemprego e a desesperança.
Mas não são apenas as condições objetivas que favorecem a aceitação das
idéias fascistas. O racismo é um traço marcante e essencial da sociedade
brasileira desde o início da colonização portuguesa, há exatamente 500 anos. As
formas de manifestação do racismo mudaram desde a época em que o racismo
oficial se baseava nos 'Estatutos de pureza de sangue', que dividia a sociedade
entre as pessoas de 'sangue limpo' e 'sangue infecto'. Ninguém ousa defender,